Hoje decidi falar sobre Caminhos Cruzados, mas dessa vez não foi por indicação de amigo. Comecei a ler "Verdade Tropical" de Caetano Veloso e bem no início ele comenta sobre esta música em especial fazendo um paralelo entre duas versões: uma de Maysa e outra de João Gilberto. Bem, a música foi composta originalmente por Tom Jobim antes do surgimento oficial da bossa nova, mas escolhi falar mais das versões em si, que do compositor. Seguramente terei mais oportunidades de escrever sobre Tom Jobim em outros dias.
Primeiramente, quem é Maysa? Para aqueles que assistiram o seriado da globo ou aqueles que conhecem a célebre música que tem como início: "meu mundo caiu..." e já se debulharam em lágrimas por um amor bandido, sabem de quem estou falando. Maysa Matarazzo (1936-1977) é uma grande cantora e compositora iniciando sua carreira nos anos 50 perdurando até o fim de sua vida. Sem dúvida alguma o aspecto melancólico de sua voz, de seus arranjos e até mesmo de sua aparência, por vezes desgastada, tornaram-se sua marca registrada. Caminhos Cruzados, como muitas outras canções de Maysa, é um samba-canção, estilo muito predominante em sua carreira, muitas vezes comparado ao bolero pelo tema das letras. Já deixarei a versão feita em 1958 por ela aqui:
João Gilberto (1931-) é outra figura emblemática para a música brasileira. Considerado como um dos precursores da bossa nova com a gravação que deu início ao gênero: Chega de Saudade. Sua batida de samba que não era bem um samba, aliada à música de Tom Jobim e Vinícius de Moraes deram o tempero necessário para o que viria a ser um dos gêneros brasileiros mais difundidos internacionalmente. Sua versão de Caminhos Cruzados foi lançada em 1976 em um disco chamado "Amoroso" com o arranjo de cordas de Claus Ogerman. Eis a versão:
Quando um coração que está cansado de sofrer
Encontra um coração também cansado de sofrerÉ tempo de se pensar,
Que o amor pode de repente chegar
Quando existe alguém que tem saudade de outro alguém
E esse outro alguém não entender
Deixe esse novo amor chegar,
Mesmo que depois seja imprescindível chorar
Que tolo fui eu que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor que ninguém pode explicar
Vem, nós dois, vamos tentar
Só um novo amor pode a saudade apagar.
"É útil comparar essas duas gravações para entender o significado do gesto fundamental da invenção da bossa nova. A interpretação de João é mais introspectiva que a de Maysa, e também violentamente menos dramática; mas, se na gravação dela os elementos essenciais do ritmo original do samba foram lançado ao esquecimento quase total pela concepção do arranjo e, sobretudo, pelas inflexões do fraseado, na dele chega-se a ouvir - com o ouvido interior - o surdão de um bloco de rua batendo com descansada regularidade de ponta a ponta da canção. É uma aula de como o samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas mais descaracterizadas; um modo de, radicalizando o refinamento, reencontrar a mão d o primeiro preto batendo no couro de primeiro atabaque do nascedouro do samba." (Caetano Veloso em "Verdade Tropical")
Pois bem, resolvi começar falando da música pela fonte da minha inspiração de hoje. Transcrevi esse trecho inteiro pois este paralelo entre o samba tradicional e o estilizado que Caetano fez é muito interessante. Mesmo em João Gilberto que, claramente, há um tratamento mais rebuscado do arranjo, há sim uma raiz muito característica do que era aquele samba do início de tudo. Já em Maysa o caminho da origem fica perdido entre o tratamento melancólico da canção. É interessantíssimo notar como a interpretação de dois artistas totalmente contrários em suas características pode ser tão diferente. Em se tratando de preferências, a versão de João Gilberto soa mais interessantes a meus ouvidos, talvez pela delicadeza do tratamento que é marca presente em praticamente todas as suas gravações. Mesmo assim, não posso ser injusta e deixar de reverenciar a grande voz que é Maysa, linda mulher e grande cantora/compositora.
Enfim, sei que falei pouco sobre as versões em si, mas meu intuito era colocar esta proposta de comparação que Caetano fez em seu livro à prova e ouvir realmente se há mesmo tudo isso que o autor diz ter. Bem, é inegável perceber as diferenças e a pulsação na versão de João. Espero que a leitura não tenha me levado a crer cegamente (ou surdamente) nas palavras do autor.
Bem, em partes, escrevi pouco pois tenho pouco tempo até o dia terminar e estou simplesmente caindo de sono. Portanto, peço desculpas pela ausência, espero ter sido absolvida hoje! Até amanhã (mesmo!) e um abraçaço!
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